Thursday, October 25, 2007

Horas atrás - Uma prisão sem grades

Tudo passara em minha mente, naquele momento em que acordara.
De olhos abertos, encarei a realidade.
Meus braços formigavam, meu coração estava acelerado, não conseguia mais respirar.
O pânico instalado tinha causa, e a conseqüência, já esperada, se concretizava.
Não conseguia mover-me daquela cama.
Só ao pensar que teria que passar, novamente, por toda dor psicológica, tremia.

Três semanas se passaram.
A barba já estava grande, o cabelo sem corte, já perdera 5 quilos.

- Filho, está na hora de procurares ajuda. – Disse, minha adorável mãe.
- Não preciso de ajuda, mãe, preciso de tempo.
- Não vês o que fazes contigo?
Estás em uma prisão sem grades.
Não te deixarei falecer nesta cama.
- Fazes o que queres, mas não estou pronto para encarar o mundo.
- Do que tens tanto medo? O que te aflige, a tal ponto de não quereres sair.
- Tenho medo de morrer sem deixar meus livros prontos, de minha única virtude ser perdida sem aproveitamento.
- Marcarei uma consulta hoje mesmo. E você irá, à fina força! – Irredutível, dizia ela.

Os passos até o elevador se transformavam em quilômetros.
Minha visão estava toda borrada.
Segurava-me nas paredes, como apoio, caso viesse a cair.
A porta abrira e o desmaio parecia iminente.

- Entre agora!

No caminho, de carro, até aquele longínquo consultório, vi um assalto.
Uma moça esbelta, recamada de roupas de gripe e equipada com seu celular, mp3 player, carteira recheada de dinheiro, perdera seus bens para um marginal qualquer.
Imaginei seu medo, e transformei-lo no meu.
De tantas fobias, esta, em particular, era a que me causava mais pânico.
Suava frio, mesmo com o ar-condicionado, meu braço esquerdo voltara a formigar e meu peito estava em chamas.
Tentei usar o controle, lembrar de coisas gloriosas que fiz, das conquistas realizadas para com o sexo feminino, mas a imagem daquela moça era a única que me vinha em mente.

- Chegamos. Vá entrando que tentarei estacionar. – Dizia a preocupada mãe.

Respiro fundo, tento controlar as batidas do coração, minhas pernas e braços.
Ao entrar naquela sala dou de frente com um espelho.
Não sei se o colocaram propositalmente, para que todos entrem sabendo quem são, ou uma mera preocupação estética.
Vou até o balcão e pego uma senha.
Sou o número 3.
É estranho vir até aqui e me tornar um número.
Talvez este psiquiatra seja um charlatão.
Primeiro, coloca um espelho.
Segundo, trata-me como um número.
Terceiro, sua ajudante é linda.
Pensando melhor... Talvez não seja um charlatão.
Ele é um gênio.
O espelho mostrará quem sou eu e a natureza da qual não poderei fugir.
É importante para o doente que haja confiança plena, e tratar como um número mostra indiferença.
Colocar uma ajudante linda é prejudicial ao tratamento, já que os doentes não quererão expor suas psicoses na presença desta deusa.
E, consequentemente, irão voltar e voltar e voltar, até que a vida os leve.

- Número 2. É a sua vez.
Dirija-se ao corredor e entre na primeira porta.

A tormenta parecia não passar.
Só estava há 5 minutos e já sabia de todo marketing daquele crápula.
Só faltava colocar pôsteres de gente saudável, interagindo com outras pessoas e vivendo a ignorante felicidade.

- Filhote, tem quantos antes de ti? – Perguntava a atrasada mãe.
- Eu serei o próximo. Mas, não tenho tanta certeza sobre o caráter deste médico.
- Pare com paranóias! Ele já trabalhou em hospitais psiquiátricos, é professor e dá palestras sobre transtorno do pânico.
- Como se isso fosse parâmetro para caráter...
- Sem discussões. Você irá e ponto final.
Não gastei tanto dinheiro para nada.

O garoto que fora, antes de mim, acabara de sair.
Os seus olhos estavam fixos.
Não olhava para os lados, só para frente, como guiado por uma voz.

- Número 3?
- Sou eu.
- Vá até a porta e bata antes de entrar.

- Boa tarde, rapaz. Sente, por favor.
- Bem, irei ser direto, doutor.
- Pois não.
- Sofro de transtorno do pânico e quero que me receites drogas.

O médico se acabava de tanto rir.
Então, pude ver seus dentes apodrecidos, talvez de tanto fumar.
Aquilo me deu medo e nojo, também.

- Já vi que és espirituoso.
Não é bem assim que acontecem as coisas.
É... Como é seu nome mesmo?
- Na verdade não me apresentei.
Chamo-me Henrique, e o senhor?
- Sou Masaich, prazer.
- Infelizmente não posso dizer que tenho o mesmo prazer, preferia não estar aqui.
- Isso é normal.
Conte-me um pouco sobre sua vida.
Você faz faculdade?
- Faço. Faculdade de biomedicina.
- Uma área interessante, um bom campo de pesquisa...
- Bem, a área pode ser interessante para o senhor, mas pra mim, não.
Fui forçado a fazer este curso. Tanto pelo autoritarismo do meu pai como por razões financeiras, não ligo muito pro curso, queria fazer Psicologia.
- Como é a relação com seu pai?
- Sempre foi uma relação de amor e ódio.
Ele mora longe, em outra cidade, não me liga e mal me visita.
Sempre foi assim, desde criança.
Todos falam que eu devia valorizar o pai que tenho.
Mas, eu valorizo. Eles não entendem.
Ele é um gênio, mas nunca precisei de um, precisei e preciso de um pai.
Quando estava na puberdade, tendo crises existenciais, não sabendo quem eu era, ou mesmo na hora de desvendar a sexualidade.
Tudo que aprendi, até hoje, foi lendo ou com meus amigos.
Mas, como disse, no início, vim aqui falar do transtorno de pânico.
- Ah! Claro, mas antes tenho que ver os fatores extrínsecos, para entender a ação da doença.
- Extrínsecos? Eu sei o que ocasionou este Transtorno.
Não precisas fazer análise, só juntar os dados que darei e escrever em seu caderno que sofro de Transtorno do pânico, certo?
- Então, o que ocasionou isso?
- Tive uma bronquite nervosa na prova de vestibular.
Depois disso ficava controlando minha respiração.
Esse trauma ficou de vez.
Então, quando viajei de ônibus para a cidade do meu pai, passei mal, novamente.
O motorista me deixou na estrada dizendo que era só atravessar a rua que tinha um hospital.
Mas, pelo contrário, tinha que andar cerca de 1 km.
Tentei, mas não consegui. Não tinha mais ar. Fiquei parado na estrada pedindo socorro até que um senhor parou o carro e deu uma carona até o hospital.
Cheguei lá e o médico era despreparado, no mínimo, e ia dar uma medicação errada, tive que corrigi-lo.
Depois de medicado fui ligar para o meu pai, para ele me buscar.
Ele disse que estava ocupado e que eu pegasse um ônibus, nem ligou pro fato de eu estar, completamente, nervoso.
Então, tive que pegar este ônibus e fui passando mal até a casa dele, cerca de 30 minutos.
Desde o acontecido não consigo viajar ou entrar num ônibus sem passar mal.
Se fosse só isso até que seria fácil de conviver, mas foi sendo agravado.
Ficava controlando a respiração, checando os batimentos cardíacos.
E quando tentaram me assaltar, passei mal do mesmo jeito, parecia que ia desmaiar ou ter um ataque fulminante.
Então, pra resumir...
Não consigo ficar sozinho, tenho medo de sair na rua, tenho medo de entrar em ônibus, de viajar, de fazer exercícios físicos.
E toda vez que os faço aparecem os sintomas.
- Realmente, sofres do Transtorno do pânico.
Mas, a medicação não irá resultar em nada se não tiveres o devido acompanhamento.
Deves ir ao psicólogo, para fazer terapia e, também, ter força de vontade para esquecer os traumas.
Como sua hora está perto do fim e não posso fazer outras abordagens, passarei um remédio para aumentar os níveis de serotonina.
- Mas, como sabes que estes níveis estão baixos?
Eu não falei se estou em depressão ou não.
- O transtorno do pânico é associado com a depressão.
Tomarás, nesta semana, 150mg diárias.
Quando voltares semana que vem veremos o resultado.
Mas, como disse, é pouco tempo para ter noção do problema.
Quando vieres aqui, semana que vem, quero que me fales sobre a sensação que tivestes com o remédio.
- Está certo, doutor.
Até mais.

Saindo da sala daquele mercenário me deparo com minha dedicada mãe ainda naquele sofá. Acho que ela estava mais preocupada do que eu.
Ao me ver, rapidamente, ela levantou e fomos embora.

- Como foi lá? – Perguntou.
- Foi bem. Ele passou um remédio tarja preta.
Acho que ele pensa que sou meio doido.
Mas, que se dane, o que importa é que irei me drogar de forma licita. – Aos risos falei.
- Engraçadinho...

Ao sair de lá vamos direto para a farmácia.
Senti-me especial por dois fatos: O psiquiatra ter receitado na primeira visita e a cara da atendente da farmácia na hora que entreguei a receita.
Talvez ela tenha pensado que eu fosse perigoso.

- Está aqui, senhor. – Disse ela, então.

Seguimos para casa, mas a curiosidade era grande.
Abri aquela caixa, como o símbolo da liberdade, coloquei na boca aquele comprimido e bebi um gole de água.
Claro que não esperava um resultado imediato, mas estava ansioso.

Ao chegar a casa senti uma leveza, uma felicidade pequena, ao ponto de sorrir sem motivo.
Fui novamente pro meu quarto, e, diferentemente, dos momentos que vivi há pouco, não estava com medo.
Senti uma vontade incontrolável de escrever e desta não fugi.
Meu corpo não tinha mais dores, até arriscaria andar até a padaria.
As algemas estavam prestes a se quebrar, sabia, pois não me sentia tão preso, como horas atrás.