Saturday, December 01, 2007

Entre sereias e pombos enforcados

Mais uma vez me encontro bêbado.
Meu corpo, leve, cambaleia em cada rajada de vento.
Estava, em conflito existencial, novamente.
Completava 21 anos naquela data.
Penso que esta é a idade, exata, para ocorrer a passagem da adolescência para a vida adulta.
Talvez por isso, neste momento, uma dose mais forte seja necessária.
- Garçom, poderias trazer uma dose dupla de vodka?
- Pois não, senhor.
23:50h, marcava meu relógio.
Meu aniversário chegara.
Mas, como todos os anos, essa se tornou uma data triste.
Talvez pela falta de com quem comemorar ou das verdades que tenho que encarar.
Na fraqueza, com medo de passar sozinho, novamente, um aniversário, começo a ligar para amigos.
Liguei pro primeiro, não queria sair.
Liguei, então, para outro, ele não atendia.
Parto para a última ligação, este quer sair.
De tantas pessoas conhecidas, só tenho três amigos.
Isso é frustrante, no mínimo.
- Bob, por onde andas? - Perguntava, alcoolizado.
- Estou em casa, se quiseres sair é só me chamar.
- Respondia o amigo.
- Passo aí daqui a pouco, só acabarei meu copo.
Pego a chave do carro, a carteira de cigarro, o celular, mas faltava alguma coisa...
Algo para beber no caminho.
Sem alcool qualquer lugar viraria tedioso.
Paro no posto e compro uma cerveja.
Aproveito e compro outra carteira de cigarro.
- Ei, patrão, sobrou um troco pra me dar?
Tou com fome. - Dizia o menino de rua.
- Estás com fome mesmo?
Bem, se quiser tem um sanduiche no carro, só dei uma mordida, não gostei. - Jocosamente, eu dizia.
- Prefiro o dinheiro. Eu posso ser pobre, mas não como resto.
- Então, fica aí com fome.
Entro no carro, subo os vidros, ligo o som e dou um tchauzinho.
Aquele garoto, que aparentava ter uns 10 anos, possivelmente, morrerá antes dos 15.
Só de olhar nos olhos dele vejo a inveja.
Ele verá que nunca irá conseguir ter roupas, casa, cama para dormir...
Só terá um papelão e alguns trapos.
Irá, daqui a pouco, ser mais um revoltado, e, possuído pelas drogas perderá a noção da realidade.
Matará e assaltará, sendo assassinado pelo bem da nação.
- Louco! Vá pra... - Gritava, o quase atropelado, mendigo.
- Saí da frente, mendigo de merda! - Aos risos, eu dizia.
Não consigo me reconhecer.
Eu não era assim, era doce e tratava todos muito bem.
Quando virei este crápula, hedonista e egocêntrico?
Ah! Agora lembrei...
Foi quando aceitei que era capitalista.
100 metros se passaram e, parei, em outro posto.
A cerveja estava no meio e, por prevenção, pego outra.
Aquelas cerveja, com certeza, me reanimariam.
A depressão, instalada naquela noite de sábado, causada pela não aceitação do ser social, passará rapidamente, dando lugar àquela alegria contagiante, que só o bêbado tem.
Cheguei na casa de Bob, ele já estava esperando.
- E aí? Que tal irmos no Recife Antigo?
- Você que sabe. O aniversariante escolhe. - Dizia, Bob.
- Então, vamos.
No caminho, novamente, se vê um Recife sujo e vazio.
O feriado transformava, a cidade, num grande deserto.
Só se via mendigos, sujeira, assaltantes em bicicletas e pagodeiros rebolando seus quadris.
Aquele rio, podre, mostrava que chegara ao Recife Antigo.
O fedor, era peculiar, só tinha ali.
Um lugar que poderia ser um polo cultural, mas tornou-se refúgio dos menos afortunados ou dos playboys que rememoravam seus tempos "undergrounds".
Grande parte dos prédios estão abandonados ou ocupados por drogados.
O estacionamento, por sinal muito caro, é um dos únicos lugares modernos neste bairro de escória.
"Aperte o botão e retire seu ticket" - Dizia a máquina.
- Obrigado, máquina. - Aos risos, dizia.
O estacionamento fica no segundo andar.
Mas, qual a razão disto?
Será que é por causa da entrada do shopping, propriamente dita, ser neste andar?
Bem, o capitalista, em suma, é um escroto.
Sempre inovando nos metódos de persuasão de consumo.
Substituem trabalhadores por máquinas, assim gerará mais lucros, não terá greve nem lutas sindicais.
Então, colocam cartazes com pessoas belíssimas...
Uma puta sacanagem!
Quando ainda estava raciocinando sobre o capitalismo eis que surge um som sublime...
Logo depois um perfumado cheiro brilha na noite.
- Putz! Peidei... - Falou o interlocutor. - Foi mal, cara. - Completou.
- Hahahaha. Relaxe. - Aos risos, novamente, Bob.
Notoriamente envergonhado, fico sem palavras.
Para onde foi minha educação católica?
O que me avô pensaria disso?
((To be continued))