Sunday, February 17, 2008

A mulher do posto

As garrafas se acumulavam, novamente, no teto do carro.
Aquele posto não parecia o mesmo...
Em dias anteriores, todos, os clientes, estavam alegres e sorridentes.
Mas, nesta noite de terça-feira algo incomum acontecia.
O silêncio era rompido por um som de carro.
A música, tocada, era de uma daquelas cantoras americanas de R&B.
Como, naquele momento, a conversa e as garrafas estavam vazias, começamos a observar a senhora que estava dentro do carro.

O carro, um azul fosco, com as marcas do tempo e das barbaridades ao volante, era um daqueles familiares, com mala grande.
Por dentro se via o descaso.
O porta-luvas quebrado, um rádio antigo, o estofamento, dos bancos, rasgados.
No retrovisor era pendurada uma borboleta de borracha, de cor rosa.
No vidro dianteiro, um adesivo de um curso de inglês para jovens e outro com a bandeira de Pernambuco.
Nunca pensei nisso, mas um carro diz muito sobre uma pessoa.
Notava-se que se tratava de uma senhora desleixada, da classe média, com filhos.
Mas, o carro tornava-se desinteressante, quando víamos aquela senhora pegar, a todo instante, o celular.
Um tanto quanto obsessiva, ligava várias vezes, mas a pessoa não atendia.
Enquanto esperava o tempo, para ligar novamente, bebia alguns goles de sua cerveja e dava alguns tragos em seu cigarro.
Fato que chamou muita atenção, já que, em pouco tempo, ela bebera três cervejas e fumara incontáveis cigarros.

A observação ficava, cada vez mais, analítica.
Chegamos perto, vimos uma aliança.
Talvez, as ligações, fossem destinadas ao marido, possivelmente infiel, que estava aproveitando a noite com outra mulher, ou talvez seja para um filho, que, até aquele momento, não chegara em casa.
Então, pressupomos, por meio da segunda preposição, que ela morava perto.

Quem sabe o que é ter e perder alguém...

Ela acompanhava balançando o cigarro, mas não ansiosa.
Outra pressuposição é feita:
Ela não estava abalada pela letra da música, então, talvez, aquelas ligações feitas não eram as esperadas, pelos telespectadores.

Não suportava vê-la tão deprimida.
Comecei a pensar que aquele seria um ritual que antecedia o suicídio.
Tudo se encaixava agora.
O desleixo, o excesso de álcool e cigarros, o olhar fixo, a inquietude e aquele modo como ela entrava na loja de conveniência.

Penso em chegar até perto e perguntar se ela quer conversar, mas covarde não chego.

Acho que me faria bem, escutar aquela senhora, ver o que estava intrínseco naqueles olhos cansados. Com certeza sentir-me-ia feliz por não viver a vida que imaginamos como dela.

O rugir, do motor, era escutado novamente.
Não havia mais nada a pensar ou fazer.
Finalmente alguém atendeu ao telefonema.
Ela se despedia do cigarro, da bebida, da depressão.
Sorria, desligava o som e partia para nunca mais voltar.

3 comments:

Carla Aguiar said...

Também acho que carros dizem bastante sobre seus donos.
E posto é algo constante em sua vida e histórias.
É um hábito comum aí em Recife ou uma particularidade sua?

Anonymous said...

"Tenta achar que não é assim tão mal, exercita a paciêcia."

Bela crônica.
Bacio.
(Gabi)

Anonymous said...

gostei do trecho de los hermanos, mesmo essa não sendo das minhas preferidas...

joe